“Sangue Como Groselha”, que está no espaço da Cia dos Autores do Rio de Janeiro, dirigida pelo diretor artístico Ricardo Santos, chamou a minha atenção. Ao contrário do que eu esperava, a obra despertou minha escuta. Afinal, no final do dia, eu esperava somente ir até o espaço para cumprir com minha palavra, que foi assistir ao espetáculo.
Não julgo uma obra somente quando temos uma ficha técnica construída com artistas famosos ou elementos de teatro enriquecidos por grandes patrocínios. Longe disso! A montagem me toca quando me envolvo por ela. Folgo-me em dizer que foi isso que aconteceu. Mergulhei com os artistas naquele jogo cênico, nesse bem bolado.
O espetáculo nasceu da provocação do universo rodrigueano, explorando o vasto repertório do renomado dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues. O projeto foi concebido durante uma residência artística envolvendo mais de 30 artistas em parceria com a Sede Cia dos Atores. No entanto, "Sangue como Groselha" não busca ser uma mera adaptação, mas sim uma exploração profunda e reflexiva sobre a complexidade do caráter humano, temática central na obra de Rodrigues.
O diretor Ricardo Santos vai pela contramão do teatro tradicional, sempre com obras mais diversas. Posso dizer que ele tem identidade artística, atua com o alternativo, nos levando a análises dos comportamentos da sociedade. É preciso estar aberto para análises reflexivas ao assistir à obra deste artista.
Com quinze artistas em palco, sem um figurino desenhado para eles, atuam com veracidade e eloquência, deixando para trás obras em salas importantes de teatro na cidade do Rio de janeiro. Pudera que, em todas as obras assistidas, eu tivesse um terço do que assisti nessa residência artística do grupo. Confesso que fico extremamente irritada quando assisto espetáculos patrocinados ruins. Caramba, não poderiam errar, afinal são obras com investimentos altíssimos para assistirmos certas porcarias. Erros primários, que muitas vezes nos fazem questionar: o que estou fazendo aqui?
Percebam que fui assistir "Sangue como Groselha" após ter visto a belezura "Nara", do Miguel Falabella, que também estará em breve no "Olhar Teatral" do Portal Eu, Rio! Foi uma sequência de obras que aplaudi de pé, gritando, colocando para fora toda minha emoção e reconhecimento do que julgo ser belo.
A dramaturgia está em volta dessa violência que vivemos, o caos diário das relações humanas, que correm muitas vezes para a miséria, para sua existência pérfida, quando não deveria ser. Se o espetáculo faz referência ao mestre Nelson Rodrigues, também vi o Teatro do Absurdo, que se comunica, se faz perceptível através do embrutecimento humano.
Embora, na Ficha Técnica, não tivesse um artista que eu conhecesse, vi uma fábrica de talentos na minha frente, com tons de voz pertinentes, movimentos de corpos satisfatórios e expressões faciais que atendem ao espectador.
Os desdobramentos das cenas são fantásticas porque são inesperadas, debochadas, tal como Nelson em seu fazer artístico, com jogos cênicos que apostam mais alto nas mensagens a serem passadas, deixando de lado a iluminação, figurinos e sonoplastia. É o teatro simples que Bibi Ferreira defendia, porém relevante.
A boa frase que fazia a mim mesma, enquanto eu assista às cenas: eu faria isso? E é exatamente isso que chamou a minha atenção. O fato de me permitir, me julgar, me questionar, pois na dramaturgia há abordagens sobre temas que atravesso enquanto uma cidadã na sociedade em que estou inclusa. Temas contemporâneos que precisam ser revistos a todo tempo para não perecemos como seres humanos, os cuidados que precisamos ter para um convívio mais saudável.
Uma obra madura, estilosa e diferente, que me permito dizer: seria uma grande covardia não comentar a sua importância nesses dias, onde a mediocridade parece reinar entre nós, onde o pouco tem muito valor para uma grande parte de nós.
Gosto do Teatro do Absurdo porque nos desenha, nos dá a chance de rever conceitos, não os estéticos, esses tão rasos, mas os muito mais importantes, esses que colocam a humanidade no centro, como deveria ser!
Essa radiografia do caráter humano está reestreando. Engana-se quem pensa que é um teatrinho de pessoas que sonham em ser artistas. Vi o teatro cheio de jovens, adultos, famosos e também artistas premiados. Portanto, senhores, não percam essa oportunidade de se assisti-los no palco e, quem sabe, terem a oportunidade de orquestrar suas próprias mudanças através da catarse.
Obrigado a esses fazedores de teatro!
Ficha Técnica
Idealização e direção - Ricardo Santos
Direção musical - Rodrigo Marçal
Operação de som - Igor Andrade
Desenho de luz - Eugenio Oliveira
Figurino - Maddu Costa
Dramaturgia - Carolina Lavigne e Ricardo Santos
Elenco
Alvaro Sagulo
Alexandre Melo
Álvaro Figueiredo
Lucas Antenor
Virgínia Bravo
Victor Santana
Letícia Iecker
Maddu Costa
Mabe de Paiva
Fabio Alavez
Du Pessanha
Heitor Mota
Leonam Guimarães
Hikari Amada
Vitor Pascon
Serviço
Sangue como Groselha
Temporada: Até 10 de março de 2024.
Sexta e sábado, às 20h
Domingo, às 19h
Sede Cia dos Atores - Escadaria Selarón
R. Manuel Carneiro, 12
Ingressos: R$ 40 (inteira) | R$ 20 (meia)
Classificação: 14 anos
Duração: 70 minutos
Capacidade: 80 lugares
Venda pela Sympla
https://www.sympla.com.br/produtor/ricardosantos